O espírito humano torna-se magnânimo quando manifesta a particularidade. O trabalho mecânico está subordinado a regras e realiza resultados formais, produtos caracterizados pela regularidade, por oposição, a expressividade resulta da singularidade. É preciso que essa actividade resulte de um pensamento disciplinado para que se torne fecundo, uma vez que, todo o ofício se exerce sobre uma matéria densa que precisa ser dominada. Como tantos outros miúdos, a Vera começou a fotografar concertos com uma pequenina máquina digital, isto foi antes da era-da-internet-das-coisas. À sua volta, outros miúdos pegavam em guitarras, emulsionados por uma vontade insondável. Com o tempo, a Vera tornou-se coleccionadora de memórias, arquivista de sonhos.
Estou convencido que o que existe de genuinamente humano é esta compulsão criadora e o que esta era tecnológica tornou possível foi algo sem precedentes nessa matéria. Uma miúda, descendente de alentejanos migrados no Barreiro, gente operária, humilde, pode fintar o destino e entregar-se à paixão inusitada de registar os seus amigos e de os surpreender. Essa miúda, torna-se autora de um dos mais importantes arquivos de histórias do que outros miúdos, com guitarras e não só, estavam a fazer. Construído à custa de muitas horas roubadas ao sono e dedicadas ao seu ofício: olhar, registar, arquivar. A mesma Era que fez do seu ofício uma espécie em vias de extinção, quando os efeitos da reprodutibilidade técnica se tornaram ainda mais tangíveis, deu-lhe as ferramentas para se distinguir.
Alimentada pela mesma inocência, irreverência e impulso para acção, que são a linha bissectriz que une a Vera senhora do seu nariz e essa miúda fã de Deftones que girava k7's até ficarem gastas. Tal como Sísifo, para quem cada átomo da sua pedra, e cada socalco da ladeira através da qual faz rolar essa pedra montanha acima e abaixo para o resto da eternidade, dá forma a um mundo em que o esforço na ascensão às alturas é suficiente para insuflar o seu coração. Talvez a grande obra tenha menos importância por si própria do que na provação que exige e na oportunidade que oferece a cada um para vencer os fantasmas e se aproximar um pouco mais da sua realidade íntima.
Tiago Sousa
Em 2014 celebrou-se o vigésimo aniversário da Galeria Zé dos Bois. Com isto decidimos, eu e o Luís Martins, fazer um livro para celebrar o acontecimento. Reunimos os últimos anos de fotografias que tínhamos feito por lá. Concertos na ZDB, concertos fora de portas e alguns dos retratos que eu fiz a músicos aquando da sua passagem pela sala. Em Outubro o livro viu a luz do dia e felizes oferecemos esse presente à ZDB. Estes 3 anos foram também aqueles em que mais lá fotografei e 3 dos meus favoritos vieram a Lisboa pela mão do Sérgio. O Rodrigo Amarante, a Angel Olsen e o Devendra Banhart.
A Julianna Barwick voltou a Lisboa e acabou o disco novo no HAUS, que passou a ser o headquarters dos Paus.
A minha relação com o They Are Heading West da Francisca estreita, tal como com os You Can’t Win Charlie Brown, Noiserv, Walter Benjamin transformado em Benjamim e a cantar em português.
E é também em 2014 que regresso ao Milhões de Festa e fotografo, pela última vez, os Vicious Five.
A meio de 2014, iniciei, a par com a Rita Tomás um dos pequeno projectos que mais gozo me deu. A nossa página de entrevistas online - Boca a Boca - e razão pela qual fotografei amigos e instigadores Sérgio Hydalgo, Susana Pomba, Bruno Ferreira, Pedro Lourenço , Inês Maria Meneses, Vitor Hugo Pontes e Nick Nicotine.
Passei algum tempo em estúdio com a Capicua, Valete e o Emicida, com os Konono #1, com o Ricardo Martins e a sua aventura a solo e Batida e conheci finalmente o General D.
Acrescentei alguns festivais aos queridos OUFEST e BARREIRO ROCKS, nomeadamente o Tremor, nos Açores, ao qual fui dois anos seguidos, o Amplifest, o Bons Sons e o Reverence Valada.
Por ocasião dos 15 anos do Barreiro Rocks, na edição de 2015 tomo conta de uma exposição em grupo em que se revêem os últimos anos do festival e no MagaFest de 2016 faço também uma pequena mostra de fotografias das várias Magasessios a que assisti.
As exposições não ficaram por aqui. Houve em 2015 participação na Experimenta Design ao lado da Maria Louceiro, e duas na Pequena Galeria, uma com Luís Martins e Sofia Gomes, curadoria da Ágata Xavier e uma segunda numa participação com dois retratos, numa exposição conjunta, curadoria da Marta Cruz. Em 2016, a convite do KISMIF, tenho uma parede do Teatro Rivoli à minha disposição, durante a conferência organizada pela Paula Guerra.
Fiz umas contas no blog percebi que ao longo destes anos os músicos que mais fotografei foram o Gabriel Ferrandini, o Nick Nicotine e o Tiago Sousa. Todos meus amigos, como no início.